terça-feira, 18 de setembro de 2012

Tendtudo

Pessoal,
Para quem quiser ver, tem de tudo: comentários, replies de outros textos e pedaços de blogs. Tende a ser meio confuso. Será que é a minha cara? Nããão! É a modernidade mesmo.

Pensai por nós, pescadores

Histórias têm o poder de influenciar de maneira invencível.

Ouvi, de um grande amigo, e competente professor, uma história. Poderia ser chamada de fábula há tempos atrás. Parece que esta tem o dom de pregar uma lição de moral, que pelo fato de ser bem enfeitada com sonhos e caramelos, tende a ter grande poder na imaginação da gente. O teor indutivo é outro vinco importante, é aí que pode morrer o senso crítico.

A história dizia (como é pequena, dá para encarar):

Os japoneses sempre adoraram peixe fresco. Porém, as águas perto do Japão não produzem muitos peixes há décadas. Assim, para alimentar a sua população, os japoneses aumentaram o tamanho dos navios pesqueiros e começaram a pescar mais longe do que nunca. Quanto mais longe os pescadores iam, mais tempo levava para o peixe chegar. Se a viagem de volta levasse mais que alguns dias, o peixe não era mais fresco.

Os japoneses não gostaram do gosto destes peixes. para resolver este problema, as empresas de pesca instalaram congeladores em seus barcos. Eles pescavam e congelavam os peixes em alto-mar. os congeladores permitiram que os pesqueiros fossem mais longe e ficassem em alto-mar por muito mais tempo.

Os japoneses conseguiram notar a diferença entre peixe fresco e peixe congelado e, é claro, eles não gostaram do peixe congelado. Entretanto o peixe congelado tornou os preços mais baixos. Então as empresas de pesca instalaram tanques de peixe nos navios pesqueiros. Eles podiam pescar e enfiar os peixes nos tanques como "sardinhas".

Depois de certo tempo, pela falta de espaço, eles paravam de se debater e não se moviam mais. Eles chegavam vivos, porém cansados e abatidos. Infelizmente os japoneses ainda podiam notar a diferença do gosto. Por não se mexerem por dias, os peixes perdiam o gosto de frescor.

Os japoneses preferiam o gosto de peixe fresco e não o gosto de peixe apático. Como os japoneses resolveram esse problema? Como eles conseguiram trazer ao Japão peixes com gosto de puro frescor?

Para conservar o gosto de peixe fresco, as empresas de pesca japonesas ainda colocam os peixes dentro de tanques, nos barcos. Mas, eles também adicionam um pequeno tubarão em cada tanque. O tubarão come alguns peixes, mas a maioria dos peixes chega "muito vivo" e fresco no desembarque. Tudo porque os peixes são desafiados, lá nos tanques. Portanto, como norma de vida, ao invés de evitar desafios, pule dentro deles. Massacre-os. Curta o jogo.

Bom, eu de novo. Tentando raciocinar. Tem algo esquisito nessa história. Os japoneses sabem distinguir as nuances de todos os paladares, inclusive do estado de espírito. Claro, são quimicamente ativos e, portanto, alteram o paladar da comida. O estranho é notar que os japoneses preferem o sabor de peixes amedrontados do que o de apáticos. Será sadismo?

Pule dentro, massacre! Boa ideia! Vamos ensinar os peixer a fazer isso?

Consciência competitiva (pode usar um bonequinho do Justus) fala para o peixe: _Tá vendo aquele sujeito ali de ollhar vidrado e paranóico? Pois é, acho que você dá conta dele, não acha? Vai lá, pô! Dá uma esquiva e, pôu! Dá um murro com sua cauda na guelra do bonitão. Tá no papo! Aí, tu fica tranquilo até o fim da viagem.

O peixe (um potencial guerreiro, pode usar o boneco do Nemo): _ Tem certeza, J? O cara parece chapado... Será que ele tomou alguma coisa, comeu algum jamaicano defumado?

J: _ Que nada, vai lá...

A chance do Nemo contra o tubarão, pré-histórico destroçador de qualquer coisa que mexa (já acharam até placa de automóvel em estômago dos bichinhos), é consistente como uma água-viva. Mas, há outra estratégia também. Visto que o tubarão come "alguns" peixes, você pode convencer seus colegas de filo, espécie ou família (deve haver mais de uma espécie no tanque), a irem na frente enquanto você cuida da estratégia.

Ao contrário do que se prega, ao se apropriar desse conceito, o mundo corporativo pretende que não se perceba as diferenças entre as situações da natureza e do trabalho. Em situações naturais, o equilíbrio entre as espécies e seus vizinhos são aparentemente harmônicas. A moral da competitividade não é como na natureza. A analogia é forçada. Lançamos mão dela para acomodar a moral a ser "entendida".

O peixe vive (como todo bicho na natureza) em estado de alerta, que é uma atenção ao que se passa. Em alguns momentos, fica até feliz e - pasme! - brinca. Muito diferente do medo de ser atacado por um tubarão o tempo todo.

Ora bolas, recentemente, o "mercado" incutiu nas pessoas a ideia de "sobrevivência" no mercado de trabalho. Por que esta perspectiva prevaleceu? Quem são os pequenos tubarões? Quem são os peixes comidos? Eles valem o sabor do sashimi?

Na situação de estresse, o corpo fica mais produtivo: mais atento, mais rápido, mais forte para que se defenda melhor. No entanto, há um custo: o estresse desgasta o organismo. O excesso de situações de estresse, ou sua intensidade, pode causar muitos prejuízos à saúde. Bois morrem no caminho do matadouro por estresse.

Põe outro no lugar, ora! Pede para sair!

domingo, 16 de setembro de 2012

O tercerio veredicto

Escrito entre 10 e 16 de setembro de 2012

Hoje é dia dez de setembro de 2012, são 19h40 mais ou menos e acabo de assistir a peça Doze Homens e uma Sentença no CCBB Brasília (original 12 Angry Men). Já havia visto o filme. O texto é brilhante, o roteiro idem, o argumento é épico. Saí do teatro com a pulga atrás da orelha (Não. Não peguei pulgas lá!)

A peça retrata uma situação de tribunal na qual doze jurados devem sentenciar um réu acusado de homicídio em primeiro grau. Na regra daquele julgamento, o resultado havia de ser unânime. Todos teriam que estar convencidos do mesmo veredicto. Essa regra é a mola impulsora da moral contida na história: a força da virtude do pensamento em favor da justiça.

A pulga me susurrou: por que, na versão para o português, os veredictos guilty ou not guilty foram traduzidos para culpado ou inocente? Em inglês, os resultados são “culpado” e “não culpado”1. A reflexão me soa bem, quando pensamos que não há somente “culpado” e “inocente” como resultados da questão (havia usado “dilema”, mas dilema só admite duas posições).

O fato que apresenta o drama é a quase unanimidade. Onze a um a favor da condenação. Na opinião dos onze, “os fatos são claros”, “não há dúvidas”, ‘o advogado é excelente” etc. Esse é o primeiro momento do espetáculo. No filme, o oitavo jurado repete exaustivamente que não quer dizer com suas argumentações que o réu é inocente, mas que não há evidências para seja considerado culpado.

Os jurados são cidadãos comuns, escolhidos entre a população e revelam suas primeiras convicções baseados nas ofertas do promotor. À medida em que o tempo passa, vão ouvindo as argumentações do 8º jurado, que os faz rever suas certezas uma a uma, chegando ao final a um resultado surpreendente.

Há, no desenrolar da história, uma adesão crescente ao espírito crítico pelos demais jurados, que acabam se empenhando em fazer verificações mais detalhadas das evidências. Descobrem que algumas posições estão contaminadas, por exemplo, por experiências pessoais traumáticas.

Corta

Em minha cabeça, foi imediata a associação com o julgamento do dito “mensalão”. Fácil era, e é, de se perceber que o julgamento vinha acontecendo muito antes de chegar ao Supremo Tribunal Federal. A mídia e alguns setores da sociedade já haviam vaticinado o destino dos réus. Afinal, foram sete anos de trabalhos árduos.

A quase unanimidade dos votos é intrigante sob vários aspectos. O mais notório, para mim, era que as denúncias careciam de provas substanciais, foi dito por muitas pessoas que se debruçaram sobre a denúncia, incluindo aí o próprio procurador (no caso de José Dirceu, o termo usado foi “tênues”, para adjetivar “provas”).

Por que, então, não houve mais polêmica? Depois de uma pequena diferença de visão, logo no primeiro voto, um dos Ministros foi execrado publicamente, além do pedido de réplica pelo relator (algo agressiva, diga-se). Nas redes sociais, a pecha de traidor foi repetida inumeramente (inventei, vale?) A partir daí, as decisões desenharam-se sempre à tendência por uma unanimidade (até agora, dia 15 de setembro).

Um dos ministros imputou aos réus o ônus da prova, pondo em questão o princípio chamado in dubio pro reo, princípio este que deve estar para completar uns 600 aninhos de idade (com vigor de adolescente). Diante da (quase) unanimidade sobre as fragilidades da peça de acusação, as dúvidas (que tenderiam a ser muitas) deveriam agir em direção aos réus. Não foi o que se viu.

O deputado João Paulo Cunha, foi condenado, mesmo que na base de sua acusação estivessem dados que não eram precisos. Ou, talvez pior, não verdadeiros, em contraste com os laudos do TCU e da PF conferindo conformidade ao contrato de publicidade com a Câmara dos Deputados - Lewandowski mostrou isso ponto-a-ponto logo no primeiro voto.

Há diversos depoimentos dos concorrentes da agência de Marcos Valério que atestaram pela boa conduta do processo e nenhum recurso foi movido por ocasião do resultado da concorrência. Por mais que seja ingenuidade acreditar em coincidências, não há fato que comprove o beneficiamento daquela empresa no processo licitatório. O dinheiro da Visanet é outro ponto que deveria ser controverso.

O que se desenha é uma ideia de “organização criminosa”, que há muito vem se construindo. O STF cumprirá sua função e ficará bem na fita (ou na peça). Quanto aos réus, a resignação já se fez presente.

Creio que o enredo está mais para 12 homens e um segredo. A diferença de 1 homem não deverá ser a única entre as situações.

George Mello, curioso e chato.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Para o meu grande amigo.

Caro Camarada,

Diversos conhecidos, amigos e até alguns estranhos me enviaram mensagens. Fiquei me perguntando o motivo.

Como se já não soubesse, fui até o link para ver de onde vinha o tradicional texto do tipo "sou melhor, analiso e julgo". Curiosamente, os que mais criticam o partido e Lula não são os que votaram em Lula (exigem o quê mesmo, afinal?). A quem interessa essa argumentação? À Veja, claramente, pois sabe que 70% dos eleitores votariam em Lula em 2014 (#mêdo!). Reynaldo, da Veja (porta-voz dos negócios de Cachoeira), em minha opinião, pode até argumentar, mas devolvo a pergunta: de que barro são feitos Veja e o articulista (e Policarpo Jr etc.) Olhar o histórico recente da publicação e seus esparros já dá uma boa indicação de onde vem e para onde vão - para entrar no paralelimos bíblico. Discursos embolorados, argumentos surrados... Parece, sim, mais do mesmo.

Não arriscaria defender ou atacar o PT. Afinal, não sou partidário e não sei o que pretende. No entanto, os exercícios de política foram muito mais eficazes do que os exercícios de ideologia. O PT foi acusado interminavelmente de discussões filosóficas e ideológicas, radicalismo e outros tantos bichos. Pois é, parece que a lição política pós 98 falou mais alto com o Lulinha Paz e Amor, adorado por todos e aceito por toda a sociedade como o amadurecimento do partido e o abandono do discurso sectário - palavras do povo e dos analistas, principalmente os burgueses que nunca o toleraram. Cabe também a pergunta: não tem preço? Sarney, à época, virou socialista. O que acham os ingênuos?

Mas, seria capaz de afirmar que é uma jogada política de alto nível de atrevimento e coragem. Ou será que o povo acha que engolir sapo é esporte? Para fazer política, todos sabem, é necessário estômago de avestruz. O cacife político de Lula foi testado como aspirante do Bope. O presidente do Ibope foi categórico: "Lula não fará seu sucessor." O silêncio pode ser um bom aliado se a função não fosse a informação, mas a influência, no caso. Bom, Dilma foi eleita, mesmo sendo pouco conhecida, durona, sem carisma, sem experiência política e coisa e tal. Lembremos que Lula foi acusado do inverso: não ter experiência administrativa. Que Dilma tem de sobre e cresce todos os dias.

Ele deve imaginar, com toda a ignorância alardeada pelos meios de comunicação, que perderá uns percentuais de seu cacife (pelo menos uns cinco ou seis amigos meus), mas o que terá de retorno? O castelo paulistano é praia difícil para nordestinos corinthianos. Martha já esteve lá, Erundina também. Apanharam feito cachorro vadio (como Lula). Com os últimos eventos políticos, ficou um pouco mais difícil para o PT entrar lá. Creio que o projeto de ocupação do território nacional tem um objetivo difícil por ali. Maluf não entrará só com os seu minuto, mas com uma porta pela direita,que pode fazer diferença.

Pois bem, o assunto específico, Maluf. Maluf é um delinquente famigerado, como Daniel Dantas, protegido com unhas e dentes por Gilmar Mendes, mas por que fazer qualquer associação com o mito? Em minha humílima opinião, o último reduto da direita, o estado de SP é impermeável ao partido. Como fazer, sabendo que Haddad não irá ganhar a eleição? Penso que Maluf, completamente fora das perspectivas políticas vê uma pequena chance de voltar à cena. Logicamente, com um milionésimo da importância que já teve. Para o partido, uma porta de entrada em alguns rincões.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Clarice Herzog de O Estado de São Paulo

Quem é essa mulher, 36 anos depois – Paulo Totti, Valor, 30.09.11

Duas mulheres de fibra: Zuzu Angel Jones, nascida Zuleika, e Clarice Herzog, nascida Ribeiro Chaves. Da primeira, mataram-lhe o filho, Stuart Edgar. Da segunda, o marido, Vlado.

Naqueles tempos duros, a censura sufocava o choro, mas protestava-se por meio de metáforas, e algumas delas se alojaram entre as mais lindas da poesia brasileira. Chico Buarque e Miltinho, do MPB-4, num triste samba homenagearam Zuzu e lembraram o filho dela, morto aos 25 anos, em 1971. "Quem é essa mulher/ que canta sempre o mesmo arranjo:/ 'Só queria agasalhar meu anjo/ e deixar seu corpo descansar'?". Estilista famosa, costureira da sociedade carioca e, dizia-se, de Kim Novak, Liza Minelli e Joan Crawford, Zuzu tornou-se incômoda à ditadura. Moveu céus e terra, chegou à ONU com os reclamos pela recuperação do corpo do filho, torturado até a morte por oficiais da FAB na base aérea do Galeão. A identidade dos assassinos nunca foi revelada, nem encontrado o corpo de Stuart. Jogaram-no ao mar, dizia-se. Por isso, Chico fez mais os seguintes versos: "Quem é essa mulher/ que canta sempre esse estribilho:/ 'Só queria embalar meu filho/ que mora na escuridão do mar'?".

Aos 54 anos, em 1976, Zuzu morreu como personagem de novela. Seu Karmann Ghia capotou diversas vezes na estrada Lagoa-Barra, chocou-se contra a mureta de proteção e precipitou-se pelo barranco. A suspeita de sabotagem no sistema de freios do carro nunca foi apurada. Zuzu virou filme

Também protagonista involuntária daqueles tempos trágicos, dias, semanas, meses depois de Vlado ter sido assassinado nos porões do DOI-Codi de São Paulo, em 1975, Clarice ouvia ameaças sempre que o telefone tocava: "Judia fdp", "comunista", "matamos um e vamos matar o resto". Em sua porta havia sempre, dia e noite, um carro da polícia a bisbilhotar, intimidar. E Clarice Herzog virou música. "Chora a nossa pátria mãe gentil./ Choram Marias e Clarices no solo do Brasil", versos de João Bosco e Aldir Blanc na voz de Elis Regina.

1964, ano do golpe militar e do casamento civil de Clarice Ribeiro Chaves ( 22 anos) com Vlado Herzog (28)
Trinta e seis anos depois, Clarice está "À Mesa com o Valor", no Spadaccino, acolhedor restaurante da Vila Madalena, em São Paulo, onde se cultiva a boa tradição da comida bolonhesa e que ela sugeriu para este almoço. Clarice está esperta e saudável. Sobreviveu.

- Quem é esta mulher Clarice Herzog?

- Fiz ciências sociais na USP. Mas me digo publicitária porque trabalhei 25 anos em agência de publicidade, 21 deles na Standard Propaganda, que virou Standard Ogilvy e hoje acho que é só Ogilvy. Fiz parte do board, fui vice-presidente. Depois criei minha empresa. Nunca redigi ou vendi anúncios, também não fiz pesquisa eleitoral. Pesquisa qualitativa é a minha especialização até hoje. Tenho experiência em posicionamento de marcas, levantamento de informações junto ao consumidor para traçar a estratégia de comunicação dos clientes, entre eles muitas multinacionais. As marcas têm vida, sabe? Se disser que sou pesquisadora de mercado, ninguém vai saber o que isso significa. É mais fácil dizer que sou publicitária. Meu pai morreu sem saber direito o que eu fazia.

Durante a faculdade na rua Maria Antônia, célebre na época por conflitos entre os esquerdistas da USP e os direitistas da Universidade Mackenzie, Clarice conheceu Vlado, que concluia o curso de filosofia. Casaram-se.

- E como estão seus filhos?

- Ivo faz 45 anos exatamente hoje. E o André, com 43, está na Índia neste momento.

André é funcionário da área de urbanização do Banco Mundial em Washington. Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, fez mestrado e doutorado em Londres e Roterdã, e, a cada dois meses, passa três semanas na Índia, onde participa de um programa de urbanização de favelas. Há 11 anos só vem ao Brasil em férias.

Protesto silencioso: há sete dias da morte de Vlado, o cardeal dom Paulo Evaristo Arns e o rabino Henry Sobel participam, ao lado de Clarice, de ato ecumênico que superlotou a Catedral e a Praça da Sé
Quando morreu, em 25 de outubro de 1975, Vlado tinha 39 anos. Clarice, 33. E os filhos, 9 e 7 anos. "Ivo, o maiorzinho, ficou muito mal, precisou de terapia durante anos. Tinha idade para entender algumas coisas, mas não entendia tudo. Vlado morreu num sábado. Contei para os garotos na manhã de domingo. Disse que tinha sido um acidente de carro, mas essa versão não durou meio dia. A confusão em casa, os amigos, o velório, o enterro, a polícia. Tive de revelar que ele fora assassinado, coisa terrível para uma criança. Polícia mata bandido, o pai era um bandido? Um dia Ivo perguntou: 'O país do papai vai entrar em guerra com o Brasil?' Ele tinha ouvido que os militares do Brasil estavam em guerra. 'Por isso mataram meu pai?' Os garotos sabiam que Vlado era filho de judeus, que nascera na Iugoslávia, e isso em casa, até então, era uma coisa natural."

Vlado Herzog, como se sabe, nasceu em Osijek, na Croácia, que então pertencia à Iugoslávia ocupada pela Alemanha nazista. O casal judeu Zigmund e Zora Herzog fugiu para o Brasil em 1940, com o único filho, de 3 anos. Ao atingir a maioridade, Vlado naturalizou-se brasileiro e passou a assinar Vladimir - "nome mais afinado com os trópicos", dizia. Mas os amigos continuaram a chamá-lo de Vlado, como se fosse um diminutivo.

Ivo levou anos para recuperar-se do trauma. Com o ingresso familiar reduzido apenas ao seu próprio salário, Clarice cortou fundo as despesas, mas preservou o suficiente para o acompanhamento psicológico do filho.

Formado em engenharia naval pela Faculdade Politécnica da USP, Ivo fez MBA em logística nos Estados Unidos. Trabalhou nessa área até metade deste ano, quando resolveu largar tudo para dedicar-se integralmente ao Instituto Vladimir Herzog. Criado em 2009, o instituto, segundo seu site, pretende "contribuir para a reflexão e a produção de informação voltada ao Direito à Justiça e ao Direito à Vida". Ao ato de seu lançamento compareceram o então governador de São Paulo, José Serra, e o ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannucchi. Os hoje ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso gravaram mensagens de apoio. "O instituto é ideia do Ivo". diz Clarice.

A redação vazia de “O Estado de S. Paulo” às 16h40 do dia 3 de novembro de 1975: os jornalistas estavam na Sé
Gunnar, carioca robusto, cabelos e bigodes brancos, que chegou ao restaurante acompanhando Clarice, esclarece: "Ivo criou o instituto não para celebrar a morte do pai, mas para a celebração da vida dele, das coisas que Vlado fazia e pensava: direitos humanos, democracia, justiça, liberdade de expressão".

Quem é Gunnar? Gunnar Cairoba, bisneto de alemães, neto de suecos e escoceses, filho de sueca e brasileiro, conheceu Clarice em 1977. Ele trabalhava na área de atendimento a clientes da MPM Propaganda, no Rio. E ela na Ogilvy, em São Paulo. Desde então estão juntos. Formado em administração de empresas, Gunnar hoje é responsável pela área administrativa da Clarice Herzog Associados. Vlado e Gunnar não chegaram a se conhecer.

Repórter: A dedicação de Clarice à memória de Vlado nunca criou problemas entre vocês?

Gunnar: Separo as duas coisas. Sei que esse espaço é da Clarice, que ela precisa desse espaço. Não interfiro, mas estou sempre do lado dela.

Clarice: Logo depois de começarmos a namorar, estávamos em Nova York, era o governo de Jimmy Carter. Eu disse para o Gunnar: "Vou a Washington fazer uma denúncia, você fica aqui. A morte do Vlado é meu problema". E ele disse: "Se eu for ficar com você, é meu problema também". E foi junto, deu força.

Somos quatro à mesa: Clarice, Gunnar, a fotógrafa Ana Paula Paiva e o repórter. Foi de Gunnar a sugestão do vinho tinto - um bem comportado Rupestro Úmbria 2009, leve mescla de merlot (80%) e sangiovese - para acompanhar o prato executivo do dia: ravióli de carne ao molho pesto genovês, com entrada de salada verde temperada com vinagre branco, mel e manjericão. Clarice pede tão somente insalata ficchi, uma salada verde com figos recobertos por fina crosta dupla de pão e farinha de trigo, e pequeninos cubos de ricota levemente picante, tudo encimado por uma flor comestível, violácea e saborosa, que Paula Lazzarini, a proprietária do Spadaccino, diz chamar-se capuchina. O repórter gostou do visual e substituiu a salada do menu executivo por meia salada de figos. Delícia!

Ivo e André nasceram em Londres, onde Vlado foi trabalhar na BBC e fazer um curso de documentarista de TV [o jornalista foi crítico de cinema no "Estado de S. Paulo", professor na Escola de Comunicação e Artes da USP, e filmou "Marimbás", documentário sobre pescadores do Posto Seis, no Rio - "cinema verdade", como era moda]. Estavam em Londres havia dois anos e meio quando decidiram voltar. Era 1968. Clarice veio antes, de navio, com os filhos. Vlado viria em 15 de dezembro. Mas no dia 14 leu nos jornais: "Endurece a ditadura militar no Brasil". No dia anterior saíra o ato institucional nº 5, o mais feroz dos atos que a ditadura publicou no "Diário Oficial" - houve outros, não documentados. Mas Vlado adiou a volta apenas por uma semana. Trabalhou então no "Estado de S. Paulo", na "Visão" e em 1975 estava na TV Cultura.

Enquanto isso, Clarice iniciava sua vida de "publicitária". "Cheguei no porto de Santos e duas amigas já me esperavam para dizer que tinham me arrumado emprego na Lintas, uma "house agency" da Unilever".

Estava há um ano na Ogilvy, quando Vlado foi morto. Dias depois, Jimmy Benson, o diretor da empresa para a América Latina, chamou-a para conversar. "Confesso que tive medo, era uma multinacional americana e eu a viúva de um cara que a polícia dizia ser membro do Partido Comunista Brasileiro..." Benson foi direto ao ponto: "Quero lhe dizer que, se quiser sair do Brasil, consigo espaço para você em qualquer lugar. Nossa agência está em muitos países do mundo". E comentou: "É impressionante a gente ver este país colorido, alegre, pessoas na rua cheias de vida, e não se sabe que nos bastidores acontecem essas brutalidades". Clarice preferiu ficar. E ficou por mais 20 anos na Ogilvy.

"Foram comoventes as manifestações de solidariedade. Pessoas que apenas encontrava na porta da escola quando ia levar meus filhos apareceram lá em casa. Velhos amigos reapareceram. Colegas de Vlado se mobilizaram no sindicato, nas redações dos jornais. Teve também o outro lado, pois alguns que considerava amigos de repente sumiram. É a vida."

Trabalhadora desde muito jovem, Clarice Herzog está esperta e saudável. Sobreviveu.
Em outubro de 1975, amigos de Vlado e jornalistas que tinham trabalhado com ele na revista "Visão" começaram a ser presos. Vlado previu que seria o próximo. Já era sexta-feira e Clarice sugeriu que, terminado o trabalho de Vlado na TV, colocado o noticioso da noite no ar, casal e filhos fossem diretamente para seu pequeno sítio em Bragança Paulista e só voltassem na segunda de manhã. Clarice iria de carro apanhá-lo na TV. "Ser preso no fim de semana é um problema. Você não consegue contato com ninguém, o advogado está viajando, está tudo desarticulado", comentou com Vlado. Mas a polícia chegou antes. Um dos presos, torturado, indicara o endereço de Vlado. "Anoitecia quando os caras bateram lá em casa. Não se identificaram e disseram que procuravam o Vlado para encomendar um trabalho de 'free lancer', queriam que fotografasse um casamento no fim de semana. Falei que ele não era free lancer, tinha emprego fixo na TV Cultura e não era fotógrafo. Falaram: 'Mesmo assim, precisamos falar com ele. Onde é a Cultura?' Disse que sabia ir até lá, mas não tinha o endereço. Eles disseram: 'A gente se vira', e foram embora".

Clarice ligou imediatamente para o marido que estava pronto para colocar o noticiário no ar. "Eles etão indo para aí, mas acho que chego antes". Pegou os filhos e partiu. Chegou na TV e os "caras" já estavam lá. Os filhos testemunharam a discussão com os policiais - já aí assumidos - e ficou claro que estavam ali para prender seu pai. A intervenção de colegas, telefonemas "para a central", "consultas às autoridades", resultaram na suspensão da prisão imediata e o compromisso de Vlado comparecer ao DOI-Codi no dia seguinte. Vlado dormiu em casa e às 8 da manhã chegou ao Paraíso, o bairro onde ficava o prédio do DOI-Codi, na rua Tutoia. Pouco depois do meio dia estava morto.

Ainda na manhã de sábado, Clarice teve de contar para dona Zora que o filho dela estava preso. Clarice lembra que procurou não assustar a sogra, disse que não era como na época do nazismo na Croácia. Apreensiva, Dona Zora - o marido, Zigmund, morrera em 1972 - foi dormir na casa de um irmão. "Às 11 da noite, quando apareci na casa do irmão dela, nem precisei abrir a boca. Ela me viu e começou a chorar." Dona Zora, segundo Clarice, foi de grande coragem e dedicação à nora e aos netos. "Todo o amor que tinha para o marido e o filho transferiu para nós. Cuidou de nós até morrer, em 2009. Quando casei com Gunnar, ela passou a chamá-lo de genro." Gunnar acrescenta com bom humor: "Casado com minha nora só pode ser meu genro, não é?"

Clarice ganhou na Justiça um rumoroso processo de responsabilização do regime militar pela prisão, tortura e morte de Vlado. Seria o caso óbvio de ação indenizatória. Clarice, porém, não queria reduzir a perda do marido a uma questão financeira. "Recebe a indenização e o processo acaba? E quem matou fica livre?" Além disso, admite hoje, não lhe importava que a considerassem judia, o que ela não devia era reforçar a maledicência do preconceito: "O corpo nem esfriou e a judia já vai em busca do ouro".

Clarice e Gunnar, juntos há mais de 30 anos. "A morte de Vlado é meu problema também (Gunnar)"
Clarice não tem ascendência judaica. É paulistana do bairro de Pinheiros, filha de católicos, o pai um engenheiro da construção civil, e a mãe, costureira. Na história familiar de Clarice há um episódio de violência e morte na luta contra ditaduras. Um tio, irmão de sua mãe, preso durante o Estado Novo no presídio Maria Zélia, em São Paulo, organizou a fuga com outros presos políticos. "Alguém dedurou e eles foram simplesmente metralhados. Meninos de vinte e poucos anos! Meu avô ficou de cabelo branco de um dia para outro; entrou com processo, mas resultou em nada. Cresci com ódio do Getúlio."

Dois advogados que Clarice consultou em São Paulo, para que também a morte de Vlado não ficasse sem punição, aconselharam-na a desistir de ações contra o regime. Um deles escapuliu-se à responsabilidade de enfrentar os militares fazendo-se de radical: "Os crimes são tão hediondos que teremos que esperar um novo Tribunal de Nuremberg".

Foi então que o jornalista Zuenir Ventura, colega de Vlado na "Visão", levou-a a conversar com Heleno Fragoso, no Rio. O veterano criminalista aceitou a causa e convocou para auxiliá-lo três jovens advogados especialistas em processo civil - Samuel Mac Dowell de Figueiredo, Marco Antonio Barbosa e Sérgio Bermudes [ver entrevista deste último em "À Mesa com o Valor", Caderno Eu & Fim de Semana, edição de 25, 26 e 27 de fevereiro de 2011]. Em 1978, dois juízes da 7ª Vara da Justiça Federal, João Gomes Martins Filho, de 70 anos, em seus últimos dias de magistratura, e o jovem de 32 que o substituiu, Márcio José de Moraes, deram ganho de causa a Clarice. O Tribunal Federal de Recursos. confirmou a sentença. Agora, Clarice bate às portas do Tribunal de Haia. A ação é para condenar o governo a investigar e punir os responsáveis pela morte de Vlado, atribuída pela polícia a "suicídio".

- Por que não usou a Justiça brasileira?

- Tentei usar, mas uma juíza considerou coisa já decidida em função da Lei de Anistia, sancionada em plena ditadura, 1979, pelo general João Figueiredo. A lei é uma aberração!

Já são mais de três horas e foi servida a sobremesa da fórmula executiva: musse de tourrone, frutas cristalizadas, mel, calda de frutas vermelhas. Clarice, que declinou do sorvete, precisa ir trabalhar. "Trabalho 12 até 13 horas por dia. Hoje, vou sair mais cedo, pois é o aniversário do Ivo."

Clarice sempre trabalhou muito e desde muito cedo. Fez o ginásio no Colégio Fernão Dias Paes, seguido do curso técnico de química industrial. Mas já traduzia livros de inglês e francês, para uma pequena editora, com a ajuda de dicionários e da troca de ideias com duas amigas. Na faculdade de ciências sociais, pela manhã dava expediente como química industrial; à tarde ia para a editoria internacional do jornal "Última Hora", onde trabalhou por dois anos, e, à noite, faculdade.

- O que acha da Comissão da Verdade?

- Sou absolutamente a favor da abertura de todos os arquivos. Mas defendo a punição dos culpados. Não anistio os torturadores. As pessoas que foram presas, assassinadas, estavam reagindo a um estado de exceção, a um golpe militar que derrubou um presidente eleito. Na Argentina, no Uruguai, no Chile, os golpistas foram punidos. Só no Brasil há perdão para a tortura política, um crime de lesa-humanidade, imprescritível.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Repassando Luis Nassif e o ENEM

A mídia abaixo da média

Coluna Econômica - 14/09/2011

Poucas vezes se viu um episódio coletivo de mídia tão nonsense quanto o da divulgação dos resultados do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio).

Os resultados foram dentro do esperado: melhoria de 10 pontos na média geral. Em 2009 o ENEM estava em 500 pontos. A meta era chegar ao longo da década em 600 pontos – o que significaria melhorar 10 pontos por ano. Apesar do aumento de inscritos – de 828 mil para 1,011 milhão – chegou-se aos 10 pontos.

De repente, o noticiário online foi invadido por estranhas manchetes: a de que a maioria dos alunos do ENEM tinha ficado “abaixo da média”. O jornal O Globo foi fulminante: “Mais da metade dos estudantes ficou abaixo da média do Enem 2010”. Na UOL, não se deixou por menos: “Enem "reprova" 63,64% das escolas”. Esse número equivale àquelas que ficaram abaixo da média.

Criou-se um samba do crioulo doido. Na maioria absoluta das estatísticas, a tendência é se ter uma maioria abaixo da média. Se todos melhoram, a média melhora, mas sempre continuará tendo uma parte abaixo da média e outra acima.

Suponha uma classe de 7 pessoas, com 3 notas 5, 2 notas 4 e uma nota 3. A média será 4,28. Logo, 43% (três alunos) estarão acima da média e 57% (4 alunos) abaixo da média. Suponha agora que a classe melhore e fique com 2 notas 10 e 5 notas 7. A média será 7,86. Mas 71% dos alunos estarão abaixo da meta contra 29% acima.

Na entrevista coletiva sobre o ENEM, praticamente todos os jornalistas insistiam na informação de que a maioria das notas tinha sido abaixo da média. O samba endoidou tanto que a presidente Dilma Rousseff chamou o Ministro Fernando Haddad ao Palácio, para saber que loucura era aquela.

O diálogo foi mais ou menos assim:

Dilma: Haddad, como é isso? Eles estão dando que há muitas escolas abaixo da média. Como surgiu essa confusão? Não sabem o que é a média em uma estatística?

Haddad – Presidente, o que posso fazer? Passei a tarde explicando para eles o conceito de média na estatística. Tentei explicar o que era uma distribuição estatística, que em geral forma uma curva, que a média (média aritmética de um conjunto de números) e a mediana (maior frequência de números na amostragem) são muito próximas, mas pareciam não entender. Cheguei a sugerir que ligassem para um matemático, um estatístico para se informarem, porque daqui a vinte, trinta, cinquenta anos, vão fazer a mesma conta (do percentual de notas abaixo da média) e vai dar a mesma coisa.

Foi em vão. Dilma encerrou a conversa dizendo que iriam especular que a convocação de Haddad ao Palácio teria sido para se explicar.

Chamou o líder do governo na Câmara, Cândido Vacarezza, presente à reunião, e pediu que desse uma entrevista informando que a presidente tinha ficado satisfeita com o resultado e manifestava sua preocupação com a confusão que a imprensa fizera com o conceito de média.

Pediu ainda que Vacarezza fizesse uma última tentativa de explicar o que era média aritmética.

Vacarezza explicou. Mas a confusão aumentou mais ainda.